“O que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar.” – Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) foi escritor, ilustrador e piloto francês.

A educadora e doutora em Literatura e Crítica Literária Regiane Boainain defendeu uma tese sobre a “Presença na Contística de João Anzanello Carrascoza: o enlace amoroso entre a prosa e a poesia”.

A partir do livro O Pequeno Príncipe com tradução inédita do Dr. Milton Torres, pós-doutor em Literatura Antiga pela UFMG, a ser lançado em breve, o blog da Viver Editora conversou com a Dra. Regiane Boainain sobre aspectos inéditos da obra em recente palestra na capital paulista.

1. Por que a obra “O Pequeno Príncipe”, traduzida para 524 línguas e dialetos, impacta gerações e culturas?

Regiane Boainain

O Pequeno Príncipe, obra infantojuvenil mais lida e mais conhecida do mundo, impacta gerações porque ela é um clássico. E aqui eu trago uma definição de Italo Calvino, extraída do célebre “Por que ler os clássicos”.

Um clássico “nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Levando esse conceito para a obra de Exupéry, pode-se dizer que O Pequeno Príncipe, apesar de ter sido publicado em 1943, ainda é atual, pois sempre tem algo a dizer para o leitor nos dias de hoje.

2. “Estou relendo o livro.”; “Estou diante de novas descobertas”. A postura acima durante a leitura faz do livro um “clássico”?

Regiane Boainain

Com certeza! Como o próprio Calvino diz: “Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira”. Isso significa dizer que, ainda que o leitor tenha lido O Pequeno Príncipe outras vezes, em cada releitura haverá uma faceta até então desconhecida.

3. Fazer “analogias” é uma forma de se “apreender o mundo”?

Regiane Boainain

Sim, a analogia é a nossa primeira forma de nos relacionarmos com o mundo e participar dele. Pense nas crianças pequenas. É muito comum que elas olhem para o mundo e vejam alguma relação de semelhança.

Por exemplo: “Que estranho, no inverno, as árvores, diferente de nós, não se agasalham”. Nessa frase, por exemplo, a criança percebe as árvores sem folhas e estabelece analogias.

4. Neste caso, o que é importante ressaltar?

Regiane Boainain

O importante aqui é que, com o passar do tempo e a entrada no raciocínio lógico, vamos esmaecendo essa capacidade de olhar o mundo e estabelecer relações de semelhanças.

Para fazer a manutenção do veio sensível e metafórico, existem obras poéticas como O Pequeno Príncipe. Por meio delas, é restituída a direção analógica, única capaz de nos levar a apreender o mundo em sua qualidade.

5. Que tipo de contribuição o filósofo Martin Heidegger traz como instrumental reflexivo?

Regiane Boainain

O Pequeno Príncipe é uma narrativa infantil que abre para reflexões filosóficas.  A primeira delas é colocar em questão duas formas de pensamento: o pensamento lógico e o pensamento meditativo. Nas andanças do pequeno príncipe pelos planetas, ele encontrou mais seres que pensavam de forma racional e técnica do que seres que se abriam à contemplação, à poesia.

A viagem que o principezinho fez ao quarto planeta, cujo dono era um empresário, possibilita, por exemplo, que o leitor conheça a seriedade e a dureza que seria a vida se o pensamento que calcula viesse a ser o único pensamento admitido e exercido em nossos dias.

6. Por isso neste contexto Martin Heidegger é importante?

Regiane Boainain

Sim, porque toda essa reflexão suscitada pela narrativa de Antoine de Saint-Exupéry se encontra no livro Gelassenheit, de Martin Heidegger, no qual ele evidencia os dois tipos de pensamentos. Para o filósofo, o pensamento técnico e o pensamento poético são duas formas legítimas e necessárias de ver o mundo e estar nele.

O pensamento técnico é o tipo que se concentra em cálculos e análises objetivas. Ele é motivado pela busca de ordenação do mundo e é aplicado a todos os aspectos da vida. Já o pensamento poético é um tipo mais reflexivo, introspectivo e sua motivação é livrar o homem de uma relação mecânica com as coisas do mundo.

7. Como leitora e pesquisadora da obra “O Pequeno Príncipe”, que frase do livro você destacaria?

Regiane Boainain

São tantas preciosidades em O Pequeno Príncipe que é difícil selecionar uma frase. Mas como leitora, o que me toca é “O essencial é invisível aos olhos”. Penso que num mundo em que o parecer é mais importante que o ser, ler esta frase é entrar numa lógica avessa aos princípios do mundo contemporâneo. É o retorno à essência.

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Jael Eneas

Viver Editora

Assessoria de Comunicação

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