“A leitura não tem fronteiras, por compreender todo processo de aprendizagem, e que o princípio inicia-se no instante do nosso nascimento.” Paulo Freire, Educador Brasileiro.
O Dia Nacional do Livro Infantil tem Monteiro Lobato (1882-1948) como o seu patrono. O insigne escritor brasileiro nasceu em 18 de abril. Oficializada por Lei Federal no. 10.402 (janeiro de 2002), a data reconhece o conjunto educativo da obra de Lobato.
Para conversar sobre a importância do livro infantil na formação da cidadania, o Blog da Viver Editora convidou o Doutor Milton L. Torres, pós-doutor em Literatura Antiga pela UFMG, avaliador de cursos pelo MEC/INEP, também escritor e tradutor freelancer da Editora Casulo.
1. Dia da Literatura Infantil. O que se pode comemorar?
Milton Torres
Há muito o que comemorar. Em primeiro lugar, comemoramos a realização humana, inclusive a capacidade de criar, e não apenas de criar obras capazes de tocar o coração das pessoas em geral, mas principalmente a capacidade de tocar o coração das crianças, que são o nosso bem mais precioso.
Em segundo lugar, comemoramos a própria infância, esse período maravilhoso em que a imaginação parece mais susceptível ao toque da criatividade.
Finalmente, celebramos a possibilidade de ensinar às crianças uma das artes mais fecundas e comoventes de nossa cultura: a literatura.
2. Qual o papel dos contos infantis na formação da criança?
Milton Torres
Os contos infantis abrem as portas da mente infantil para a familiarização com as grandes questões das quais se ocupa a humanidade. De fato, os melhores contos infantis conseguem fazer isso sem impor interpretações ou fabricar estereótipos indesejáveis. Os autores levantam questionamentos por meio da atuação de seus personagens ou até mesmo pela intervenção de um narrador.
3. Questionar é um método?
Milton Torres
Sim, porque nesse contexto, acaba-se tratando de temas como o conflito entre o bem e o mal, a presença da morte, o desabrochar do amor e da sexualidade, as expectativas quanto ao futuro e muitos outros assuntos. Seria muito mais difícil fazer isso se apenas chamássemos as crianças para se sentarem conosco na praça a fim de conversar sobre esses tópicos.
4. O hábito pela leitura é realmente importante?
Milton Torres
Ler é uma das melhores maneiras de aprender a escrever. O bom escritor é geralmente um leitor ávido. Por isso, o hábito da leitura é fundamental para o desenvolvimento da competência da expressão.
Além disso, a leitura nos faz pensar, ou seja, desenvolve também a competência do raciocínio. Finalmente, o melhor leitor é aquele que imagina, quase que visualmente, o que está lendo.
5. A imaginação e a criatividade vêm no pacote?
Milton Torres
Com certeza sim, porque o hábito de leitura também desenvolve a imaginação e a criatividade. É por causa desses aspectos que raramente um filme ou animação fica melhor do que o livro no qual se baseou. O filme contribui muito menos para a expressão, raciocínio, imaginação e criatividade.
6. Você traduziu o “Pequeno Príncipe” do original francês recentemente. É possível gerar novos enfoques?
Milton Torres
A leitura de qualquer obra na língua original em que foi escrita geralmente produz surpresas. Enquanto traduzia, comparei minha tradução com uma tradução anônima publicada por outra editora.
Notei poucos descuidos de tradução na versão anônima, mas uma coisa que peguei ocorre no capítulo 24, no qual Exupéry faz um jogo entre as palavras “tesouro” e “segredo”, que o tradutor não percebeu, pois usou “tesouro” o tempo todo.
7. Fale um pouco mais sobre isto.
Milton Torres
O piloto explica que a casa onde crescera tinha a fama de possuir um tesouro escondido. No entanto, depois de descrever as tentativas frustradas para localizar o tesouro, acaba dizendo que são os segredos que embelezam as coisas e que a casa era bela porque tinha um segredo: isto é, a possibilidade de um tesouro escondido.
Na tradução anônima da outra editora, em que só se usa a palavra “tesouro”, fica parecendo que o piloto está dizendo que o tesouro embeleza a casa, quando, na verdade, o texto em francês está dizendo que é o segredo que embeleza a casa, mesmo que não haja nela nenhum tesouro de fato.
Tentei deixar isso claro na minha tradução. Isso pode nos ajudar a dar um novo enfoque à obra numa perspectiva que discuta a relação das pessoas com seus lares.
8. A leitura deixa marcas no leitor?
Milton Torres
Conheço pessoas que leem o Pequeno Príncipe há mais de 50 anos. Um clássico da literatura tem esse poder sobre o leitor. Toda vez que lemos Homero, a Bíblia ou Shakespeare, descobrimos algo que não havíamos visto antes. Portanto, essa é mesmo a única forma de ler os clássicos da literatura: sem pressa. Além disso, se vamos reler essas obras imortais várias vezes ao longo dos anos, seria tolice descartá-las, não?
9. “É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.” Que lições posso tirar dessa frase?
Milton Torres
Geralmente atribuem essa frase ao livro de Exupéry, mas não está lá. Talvez esteja no filme. Talvez seja de outro autor. Apesar disso, a frase é muito mais filosófica do que parece.
Ela confronta o que Platão diz na República, obra na qual o filósofo rejeita todas as experiências sensíveis sob a alegação de que algumas delas acabam nos prejudicando.
Portanto, podemos aprender a lição de que é preciso ver os dois lados das coisas, e esse é um ótimo conselho nesta época em que radicalizamos tão facilmente.
Jael Eneas
Viver Editora
Assessoria de Comunicação